segunda-feira, 5 de março de 2007

A nossa primeira história







Aprendi que a psicanálise propõe que o tempo não passa, que é um real que retorna sempre no mesmo lugar. A história de destruição,parte da nossa luta pela conservação ambiental, faz-me pensar nisso, como se fosse esse real que retorna sempre e nos assombra.




No entanto, acredito que existe algo a mais, da ordem da POSSIBILIDADE, que nos diz que essa repetição pode parar desde que algo de NOVO aí se instale. Eu não tenho ainda essa resposta mas NASIO [1] (1999) diz: “(...) a vontade, um desejo ferrenho de saber (...) para apreender as causas secretas que movem um ser é preciso e acima de tudo , descobrir essas causas em si mesmo, voltar a si (...) emprestar o próprio eu ao desejo de desvendar um enigma (...).




Germano Woehl Jr. , do Instituto Rã-Bugio, uma ONG de Santa Catarina que " cuida de cuida de sapos, rãs e pererecas, briga com as motosserras que lanham as últimas grotas de Mata Atlântica no interior do estado e raspa seus cofres de assalariado para comprar relíquias da floresta, antes que os proprietários as destruam[2]" conta para nós sobre o seu sentimento de paixão pela Mata das Araucárias. ( http://www.ra-bugio.org.br )





Para mim, histórias como estas são pistas desse enigma que nos move em busca de lutar pelo o que acreditamos. Essa, primeira de tantas outras histórias que aí estão sendo contadas, ou mesmo aquelas que infelizmente nunca ouviremos, me fala desse algo NOVO que procuro, me conta que mesmo que o horror da destruição esteja momentaneamente instaurado as possibilidades do que disso advém ainda são maravilhosas.




UM PEDACINHO DE FUTURO ?


Eu nasci e vivi até meus 17 anos em Itaiópolis, município do planalto norte de Santa Catarina, campeão em desmatamento de Mata de Araucárias, entre 1985 e 1996. E já bastante devastado quando vivi lá, bem antes desse período. A Floresta Atlântica densa eu só fui conhecer quando tinha 14 anos, numa excursão para o litoral.
Foi paixão a primeira vista! Lembro-me até hoje daquele cenário deslumbrante da Serra do Mar catarinense, com uma natureza que parecia intacta – e realmente era, quase intacta. Este é o lugar! – pensei. Na primeira oportunidade, anos mais tarde, em 1994, finalmente adquirimos um pedaço do paraíso, em Guaramirim, SC. São apenas 5 hectares, mas nas bordas de um extenso fragmento preservado, separado apenas por uma estrada da área contínua, que segue até a Serra Dona Francisca (Serra do Mar), em Joinville.
Já nos primeiros dias as expectativas foram superadas, e muito. Fiquei extasiado com a quantidade de bichos. Para onde dirigia meus olhos, via algo diferente. À noite, com uma lanterna, presenciei o maior espetáculo da minha vida: observei 16 espécies de anfíbios, coaxando numa única noite, e numa quantidade impressionante de cada espécie! Saí ensurdecido das margens da lagoa, devido aos estridentes coaxares dessas magníficas criaturas, que exercem sobre mim um enorme fascínio desde a infância.







O grande interesse em lutar pela conservação da natureza começou a se intensificar a partir desse momento. Um profundo sentimento de compaixão por todas as criaturas do paraíso começou a me dominar. Era necessário começar a fazer alguma coisa para salvá-las, além da compra daquela área. Sabia das possíveis conseqüências dos desmatamentos intensos, que ocorriam por todos os lados e que, lamentavelmente, ainda não cessaram. Já havia perdido a ilusão de fazer daquela área uma Arca de Noé, mesmo protegida com unhas e dentes. Para salvar a biodiversidade era necessário fazer muito mais: era preciso sensibilizar as pessoas para terem o mesmo sentimento.
Então, eu e a Elza, minha esposa, decidimos ir à luta. Encaramos a defesa da Mata Atlântica como nosso projeto de vida. Com nossa dedicação logo obtivemos apoio da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e, mais tarde, da Fundação Avina, que nos apoiou na criação de uma organização não-governamental (ONG), o Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade, como forma de institucionalizar nossas ações.
O que me surpreende é o fato de estarmos há mais de 10 anos lá, com o olho atento a tudo, e a cada dia vemos um bicho diferente. A cada instante surge uma espécie de pássaro diferente, uma lagarta, uma mariposa... E não é só bicho pequeno, não. No ano passado, uma onça parda deixou suas pegadas a dois metros da nossa casa, entrou em disputa com uma jaguatirica pelos nossos gansos de estimação, os únicos guardas da casa. E acabaram por devorar todos os sete, em poucas semanas.
Esse pedacinho da Mata Atlântica me ensinou muita coisa, mostrou-me a necessidade e urgência em combater a ganância do homem, que não quer dar nenhuma chance à perpetuação dessa extraordinária quantidade de formas de vida. O ataque impiedoso aos últimos vestígios da Mata Atlântica original torna, de acordo com a Ciência, bastante incerta a sobrevivência do que resta dessa nossa mega biodiversidade. Para uma sociedade egoísta, interessada apenas em buscar meios de transformar a natureza em dinheiro, não tenho nenhuma ilusão de que será uma tarefa fácil difundir outros valores. Mas para as gerações futuras da nossa própria espécie, capazes, talvez, de deter esse terrível e insaciável poder de destruição, mantemos um paciente programa de educação ambiental. Quem sabe elas sigam com a missão de mudar aqueles que parecem determinados a aniquilar todas as formas de vida do planeta?
Germano Woehl Jr. (
germano@ra-bugio.org.br ) é doutor em Física e Coordenador de Projetos do Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade ( www.ra-bugio.org.br )



[1] NASIO, Juan-Davi. O prazer de ler Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1999. P. 12.

[2] Corrêa, Marcos Sá.Sinais da Vida. Fundação Boticário,2005.

Um comentário:

Cleber Oliveira disse...

parabéns pelo blog... conheci o trabalho da ONG rã bugio. é ótimo